Conheço Álvaro
Alves de Faria há muitos anos, desde a década de 80, quando nos encontramos
em torno dos autores que frequentavam a UBE, todos participantes assíduos de
reuniões, entre nobres escritores como Antônio Callado, Lygia Fagundes Telles,
Ignácio de Loyola Brandão e Ricardo Ramos.
A poesia
alimentava esses encontros e vivíamos novidades numa época em que estávamos no
começo de uma carreira promissora. Álvaro já tinha seu nome inscrito entre
aqueles que fizeram história na década de 60, com seu O Sermão do Viaduto, de 1965, lido em nove recitais públicos no
Viaduto do Chá, em São Paulo, usando quarto alto-falantes em cima de uma Kombi
e um microfone, sendo ouvido por todo o Vale do Anhangabaú e detido, por isso,
cinco vezes pelo DOPS. Ao lado de Eunice Arruda, Neide Archanjo, Claudio
Willer, Roberto Piva, Roberto Bicelli e Lindolf Bell, ele marcou seu tempo como
poeta com sua voz particular, reconhecida por seus pares, como Affonso Romano
de Sant’Anna, que lhe dedicou um poema que me impressionou quando o leu no
Teatro Gláucio Gill, falando da bala que recebera na cabeça durante uma ação
contra a ditadura nos anos 70.
A geração 60
formou a minha geração de 1980. Os grupos se moldavam a partir daqueles que
tinham vindo antes e aberto o caminho. Esses poetas eram nosso parâmetro e modelo.
Sempre dispostos a ajudar os que começavam com sua poesia “independente”,
“marginal”, “alternativa”. Mas com o tempo, nos aproximamos e as diferenças
diminuíram. As vozes se uniram e Álvaro fez muito para reconhecer aqueles que
já trilhavam sua própria senda, fazendo antologias de poetas brasileiros em
Portugal, incluindo-me entre eles.
Em 2001, lancei
seu livro A palavra áspera e elaborei
desde a capa até o formato do livro. A pequena edição se esgotou algum tempo
depois. Agora, em 2016, tornamos a nos falar mais (nunca perdemos de todo o
contato depois que voltei a morar no Rio a partir de 1999), depois do
lançamento do meu livro Areal (minha
reestreia na poesia, prefaciado por Luiz Carlos Lisboa, depois de um lapso de
13 anos, após o lançamento de Joio &
trigo, prefaciado por Claudio Willer), em 1995, que ele divulgou como
jornalista cultural que sempre foi em rádio, jornais, na revista Visão e na TV Cultura. Até divulgou o
que eu fazia o que lia nos jornais do Rio e eu nunca soube.
Álvaro sempre foi
um exemplo e um guia, alguém que dava o tom para que a poesia fosse feita,
tanto que escreveu tantos livros, lançados aqui, em Portugal e na Espanha, onde
encontrou mais eco para sua poesia.
O Twitter nos
reuniu novamente. Curti uma das frases que ele havia postado, quando me pediu o
email e o telefone, que mandei imediatamente. E, depois de me enviar seus
livros (13) e eu lhe enviar os meus (14), que produzimos de 2001 para cá,
depois do lançamento de A palavra áspera,
ele me propôs escrever um livro “a quatro mãos”, com 22 poemas cada um, somando
44 no final, metapoemas, em que falaríamos da poesia, da escrita, das palavras,
dos poetas, dos livros, das pessoas e tudo que envolve literatura, vida, dia a
dia, fazer, criar... nosso ofício, por assim dizer. E, com sua elegância e
cavalheirismo, me sugeriu que começasse, quando me ocorreu o primeiro verso do
primeiro poema, que também por sua gentileza, se transformou no título deste
livro “Minha mão contém palavras que não escrevo”, e assim começou uma nova
fase na minha própria poesia, pois ao seguir o estilo de Álvaro, me vi
escrevendo “diferente”, como se assumisse a sua voz de “Poeta do Viaduto” e
clamasse e bradasse mais do que escrevesse poemas intimistas, como costumo
fazer. Passei a escrever coisas que digo normalmente, mas que nunca tiveram
lugar nos meus poemas. Depois de 21 livros publicados, eu inaugurava um novo
estilo. Para Picasso, estilo era um limite que devemos ultrapassar. Por isso,
podemos escrever de todos os modos, não apenas de um.
Estes poemas têm
uma face diferente de meus outros livros publicados e de tudo que já escrevi
até hoje. Eles ressoam como se descobrissem novas cavernas. Como se adentrassem
meandros nunca percorridos, e foi isso que senti durante os quase dois meses
que os escrevemos. Estes novos poemas causaram reações diversas em quem os leu
durante o processo, sem saber como estavam sendo escritos. Só uma pessoa
acompanhou a escritura de cada um e lia o que Álvaro me enviava. Só Mariana
Imbelloni Braga teve esse acesso privilegiado por estar trabalhando na editora
e ter me visto quase todas as semanas enquanto fazíamos o livro. Sim, seria um
livro para ser publicado em breve. E essa brevidade tem a ver com a rapidez com
que foram escritos os poemas.
Poesia aponta
uma direção que só o leitor vê. Não sabemos o que ele vê, mas apontamos para
que ele veja. O que vemos só é visto por nós, e isso não importa. O que importa
é o que o leitor lê, ouve, entende, sente e responde. Sim, porque responder a
um poema é a reação imediata que todos os poetas esperam. E por isso os poemas
são escritos. E por isso escrevemos estes poemas. Para causar reações imediatas
em quem os ler, como causou em nós, a cada poema que escrevíamos em resposta um
ao outro.
O mundo mudou
desde que começamos a escrever este livro. Não somos os mesmos depois de
terminá-lo. O livro trabalhou em nós o seu texto e nos fez conversar através
dos poemas que iam surgindo. Maiores, menores, eles somaram todas as
experiências durante esse mês e vinte dias em que nos dedicamos a escrevê-los.
O tempo
cronológico só importa para os humanos enquanto terrenos. Como os livros
pertencem a Terra e nela ficarão, este foi o motivo de sua gestação: dizer o
que estávamos prontos a dizer. E por isso foi dito.
Poucos meses
antes, eu não sabia quando voltaria a escrever. O poeta nunca sabe. O poeta
nunca sabe quando vai escrever, só sabe quando já está escrevendo. A
experiência proposta por Álvaro foi inestimável para mim. Sem ela, talvez eu
não tivesse escrito nada e, certamente, não teria escrito os poemas que
escrevi.
Thereza Christina Rocque da Motta
Rio de Janeiro, 4 de agosto de 2016
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