sexta-feira, 12 de agosto de 2016

14 Estou me despedindo de mim (AAF)


Estou me despedindo de mim
com meu terno de domingo,
a gravata vermelha não me parece bem,
mas meus sapatos azuis sem rumos
podem me explicar melhor.

A amiga me diz
que o livro e a poesia
deveriam ser chamados de essenciais.

Essencial é viver,
enquanto der tempo.

Da poesia só guardo ferimentos
de uma vida inteira
costurados em livros perdidos,
esgotados em si mesmos
nas letras que não quero mais dizer.

A palavra
mais ferida dessa poesia
sempre amarga
com a imagem esquecida
nesse corte
que se alarga,
essa dor já consumida
que sempre pega,
nunca larga.

Queria ser santo,
talvez poeta em meu país,
mas as igrejas
caíram pelo espanto
e dos meus altares
me desfiz
e assim desfeito em desencanto
a poesia não mais me quis.

Nada guardo de mim
senão uma alma com roupas brancas
e dois terços de minha mãe
que escondi numa gaveta.

Tentarei destruir todos meus poemas
para me vingar do tempo perdido
em que eu pensava viver,
mas morria sempre
no final de cada história.

Quero somente
ficar diante do mar de Portugal
como um poeta
que se despede do mundo. 


AAF – 25/06/2016 10h23

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