sexta-feira, 12 de agosto de 2016

39 Deixo de existir quando escrevo um poema (TCRM)

Deixo de existir quando escrevo um poema.
Torno-me obscura e vazia, porque tiro tudo de mim.
Deixo de existir quando a poesia me invade,
Porque nada em mim é mais absoluto do que a poesia.
A poesia ocupa um espaço que eu ocupava com minha vida
E faz com que eu desapareça.
Eu deixo de ser importante, porque a poesia é mais importante do que eu.
Eu existo só para que ela exista e, por ela existir,
Minha existência está justificada.

(Quando li a “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias,
Pela primeira vez, eu soube que ele havia naufragado
Quando voltava, doente, para o Brasil,
E que morria de medo do oceano terrível,
Que o devoraria diante do litoral do seu Maranhão.
O que as águas foram para o poeta senão seu berço e seu túmulo?)

Os poetas estão vivos em seus poemas, como vivem em mim
Depois de mortos, suas vozes inesquecíveis em seus versos
Alcançam-me como mil línguas de fogo, a falar através dos oceanos,
De suas Troias e Atlântidas perdidas, por onde reboa o canto das sereias,
As mesmas que embeveceram Ulisses e enlouqueceram os náufragos.

O que são os poemas senão adagas de mil homens a atravessar o deserto,
À procura do único oásis à beira do Nilo?
O que são os poemas senão as línguas que falam desde Babel até aqui?

O poeta morre de melancolia, mas a dor se espalha pelo poema,
E passa para nós seu antídoto imortal. Nunca morreremos pela poesia.

O elixir da vida está no poema, que bebemos como licor.
A beleza e a morte misturadas para sobrevivermos às dores mortais.

Temos os poetas como arautos, antenas da raça, menestréis de mil lugares,
Onde viveremos por mais mil anos, sobrevivendo à nossa própria humanidade.

TCRM – 24/07/2016 – 17h06

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